Este evangelho conta-nos um fato que aconteceu dentro da semana santa, ou seja, na última semana da vida terrestre de Jesus. A Igreja nos faz recordá-lo propositalmente nos últimos domingos do ano litúrgico, que já está se encaminhando para o final.
Podemos aproveitar desta ocasião para falar da relação entre a Igreja e o Estado e também da relação do cristão com a política, como o faremos. Mas é oportuno também que nos dediquemos a considerar o perigo da adulação e da hipocrisia que Jesus identifica em seus perseguidores.
1. A Igreja e o Estado
Instruídos por essas palavras esclarecedoras de Cristo a Igreja sempre soube distinguir a existência de dois poderes: o poder eclesiástico e o poder civil. Enquanto o primeiro cuida das coisas divinas o segundo se ocupa das coisas humanas, enquanto um trata dos bens temporais e outro administra os bens espirituais.
Mas fique claro que o Senhor nos ensina a distinção que não é separação. A Igreja deve reconhecer a autonomia do Estado em relação a algumas competências que lhe são próprias, como também o Estado deve ter claro que a Igreja tem soberania no que diz respeito à sua missão.
E nesse sentido não se pode esquecer que as coisas eternas possuem primazia sobre as coisas temporais. E, além disso, é bom lembrar que a Igreja não está interferindo no poder alheio quando recorda ao estado o dever de respeitar as leis naturais, por exemplo.
Os Padres da Igreja, comentando este evangelho, fazem perceber que enquanto a moeda, símbolo de uma riqueza passageira e fútil, carrega a imagem dos governantes, o homem foi feito à imagem de Deus, e portanto a Ele pertence. Somos nós “a moeda” de Deus, temos gravados em nós a imagem divina.
Sendo assim é de Deus a vida desde a concepção até a morte natural, é de Deus a família e o matrimônio, é de Deus a educação na virtude e na fé! E é um direito nosso exigir que tais “direitos de Deus” sejam respeitados por todos, inclusive pelas leis dos países. Por isso ao defender a vida dos bebês em gestação, ao posicionar-se contra o divórcio, a Igreja cumpre sua missão, não está interferindo em assunto alheio.
Os cristãos devem obedecer o Estado, é um dever de justiça, mas devem opor-se radicalmente a ele quando o Estado se põe contra Deus, contra as leis naturais. Ainda que os maus legisladores digam que o errado é certo, o errado continua errado! Por isso disse Isaías: “Ai dos que decretam leis injustas” (Is 10, 1).
2. O cristão e a política
O pagamento do imposto justo, o exercício responsável do direito ao voto, a fiscalização da autoridades públicas no exercício de seus mandatos, o próprio ingresso de cristãos como candidatos aos cargos públicos, são maneiras eficientes do envolvimento dos católicos na política.
A presença dos cristãos, “sal da terra e luz do mundo”, deve dar sabor e sabedoria em todos os lugares em que se encontrem, inclusive no governo civil. A Igreja nunca terá um partido, nunca indicará um candidato, pois essa não é sua missão. Seu ofício é capacitar bons cristãos para votarem e serem votados.
Por falar em política vale a pena recordar também que devemos rezar por aqueles que foram constituídos com nossas autoridades. “Derramai as vossas bênçãos sobre (…) todas as pessoas constituídas em dignidade para que governem com justiça”. É o que diz uma tradicional oração para depois da bênção do Santíssimo Sacramento.
É interessante notar que o rei Ciro, citado na primeira leitura, é a imagem do bom governante usado como instrumento de Deus em benefício do seu povo.
3. O perigo da adulação e da hipocrisia
Os fariseus, nos recorda o Evangelho, já haviam tomado a decisão de matar Jesus e agora precisam de um motivo para entregá-lo às autoridades. Por isso queriam de Jesus uma resposta contra os governantes para que assim pudessem acusá-lo de subversão. Serão eles mesmo que diante de Pilatos acusaram falsamente Jesus de proibir de pagar os tributos à Roma (Cf. Lc 23, 2).
E para isso começaram a sua “armadilha” o adulando. Em outras palavras eles dizem: “Mestre, tu és corajoso, diz a verdade sem medo…”. Ensina-nos São Tomás de Aquino que: “Os homens maus começam pela a adulação”1.
E junto com a adulação Jesus identifica também o problema com a hipocrisia. Por isso o doutor angélico nos lembra que com este evangelho Nosso Senhor nos ensinou a não ser aduladores nem a aceitá-los, pois a adulação é sempre fruto de um coração hipócrita.
Que a fé, a esperança e a caridade, como lembrou-nos S. Paulo na epístola de hoje, nos ajudem a reconhecer que Deus governa a nossa história e para Ele caminhamos definitivamente. E a evitar sempre o pecado da adulação e da hipocrisia.
Que a Virgem Maria, Rainha e Padroeira de nossa nação, intercede por nosso país e nossos governantes!
(Pe. Anderson Santana Cunha)
1Super Evangelium S. Matthaei lectura, caput 22, lectio 2.
TEXTOS PARA MEDITAÇÃO
A imagem de Deus no homem
Si o César reclama sua própria imagem impressa na moeda, não exigirá Deus do homem a imagem divina esculpida nele? (Comentário Salmo 94, 2). Do mesmo modo que se devolvem a César a moeda, assim se devolve a Deus a alma iluminada e impressa pela luz do seu rosto… Com efeito, Cristo habita o interior do homem (Comentário Salmo 4, 8). (Santo Agostinho)
O dever do cristão para com o poder civil
É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço da pátria derivam do dever da gratidão e da ordem da caridade. A submissão às autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida da comunidade política. (Catecismo da Igreja Católica, n. 2239)
Quando obedecer e quando não obedecer
A submissão à autoridade e a corresponsabilidade pelo bem comum exigem moralmente o pagamento dos impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país: O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da reta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21). «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens» (Act 5, 29). (Catecismo da Igreja Católica, n. 2240 e 2242)