As palavras que mais se repetiram nas leitura da Santa Missa de hoje são as que geralmente menos nos agradam: sofrer, renunciar, deixar, perder. Mas essas palavras são muito significativas, pois com elas a profissão de fé, que São Pedro havia começado a dizer, fica completa: Aquele que é Deus e homem deveria sofrer, morrer e ressuscitar.
São Pedro, assim como nós, não entendeu a necessidade da Cruz. Mas ela era indispensável, pois, como disse S. Agostinho “não tinha meio mais conveniente de salvar nossa miséria” (Tratado sobre a Trindade, 12, 1-5). Livrar-se da Cruz é uma tentação! Por isso Nosso Senhor diz a Pedro o mesmo que disse ao demônio no deserto: vai para longe (ou melhor, vai para trás de mim).
Escutemos pois, hoje, as condições para ser discípulo de Jesus. São três: (1) negar-se a si mesmo, (2) tomar a cruz e (3) segui-lo. Antes de entrar nesse itinerário, convém notar que tudo isso se trata de um convite, por isso disse Jesus: “Se alguém quer me seguir”. Somos livres para dizer “sim” ou “não”. Jesus quer voluntários que livremente façam a escolha de ser seus discípulos.
1. Renunciar a si mesmo
O primeiro passo para ser discípulo é a conversão, em outras palavras: negar-se. É tomar a decisão de tirar de nossa vida tudo aquilo que carregamos e que nos impede de ser todo de Cristo e enchê-la com as “coisas do alto”. Para isso é preciso, com bem lembrou-nos a epístola, “distinguir o que é da vontade de Deus” e o que não é (Cf. Rm 12, 2).
Foi assim que São Gregório nos explicou esse Evangelho: “Se nega a si a mesmo aquele que reforma a sua má vida, e começa a ser o que não era, e deixa de ser o que era”. “Se nega também a si mesmo aquele que pisoteando seu vão orgulho se apresente diante dos olhos de Deus, de modo que nem se reconheça”. (S. Gregório in Catena Áurea, Mt XVI).
E as consequência desse primeiro passo é bem nítido: o mundo passa a nos odiar. Foi o que ouvimos no lamento do profeta Jeremias na primeira leitura. Ele era humilhado, zombado e perseguido por causa da mensagem divina. É nesse sentido que nos exorta S. Paulo: “Não vos conformeis com o mundo” (Rm 12,2).
2. Tomar a Cruz
Carregar a Cruz tem um sentido bem amplo. Não significa que todos seremos martirizados, é evidente, mas revela que todos devemos ir até às últimas consequências do amor. O cristão não busca o sofrimento – porque ele aparece buscando ou não, e aparece para todos – a diferença é que o cristão busca o amar, e quem ama pra valer, sofre! E tem outra outra coisa importante: a diferença entre os discípulos de Jesus e todo os outros é que nós temos a quem imitar durante os sofrimentos.
Quem ama se sacrifica! Que o diga uma mãe que sacrifica noites pelos filhos pequenos ou enfermos, que o diga um pai que se imola no trabalho para sustentar a família, que o diga os sacerdotes e os religiosos que deixam tudo por amor a Nosso Senhor.
É isso que São Paulo ensinou aos Romanos e a nós: a nos oferecemos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. É carregar com paciência os suplícios diários sejam aqueles escolhidos (as renúncias e as mortificações) seja aqueles acolhidos (as humilhações, as doenças e, por fim, a própria morte física). É necessário passar por essas situações para sair delas purificados, melhores e santificados.
Devemos tomar cuidado para não nos tornamos inimigos da Cruz. São Paulo chama assim aqueles que “colocam seus corações nas coisas terrenas” (Fl 3,17-19). É mentiroso esse tipo de cristianismo sem Cristo crucificado, que não reconhece o valor salvífico do sofrimento, que só pensa em prosperidade e alegria mundana.
Pouco se fala, mas hoje é importante lembrar-se de que a penitência faz parte da dinâmica da vida cristã. Que a mortificação é um meio eficaz para a nossa conversão e a de outros. Podem conferir: não há nenhum santo que não tenha passado pela Cruz!
Quantas coisas aprendemos quando vemos alguém que carrega a sua Cruz com um instrumento de santificação. Já pude ver várias vezes Cristo crucificado em um leito hospitalar ou sofrendo alguma provação – imagino que todos já tenhamos visto algum testemunho assim. Eles são as provas vivas de que isso tudo que se fala nesta homilia não é apenas uma teoria bonita ou para alguns ilógica, mas é a escola que forma muitos homens e mulheres para o céu.
3. Segui-lo
Não há outro caminho, para chegar ao ponto mais alto da vida espiritual, o cume da santidade, é preciso caminhar para o calvário. E não vamos sozinhos, e como disse o salmista em sua oração: quando parece impossível continuar, “com poder vossa mão me sustenta” (Salmo 62, 9).
Convido, de modo especial ao enfermos e aqueles que sofrem tribulações a oferecerem suas dores e angústias por tantas intenções, de modo especial pela salvação das almas. Quanto bem fará à toda à Igreja esse grandes intercessores! E para todos eis o conselho que nos dá o Senhor: acolher as tribulações com serenidade e fazer mortificações voluntárias que submetem o nosso corpo às nossas próprias ordens.
Por fim, é preciso dizer que tudo isso que hoje nos é apresentado não soa bem a muitos ouvidos. Sim, porque a Cruz de Cristo é escândalo pra uns e loucura para outros (cf. 1Cor 1,23). Mas engana-se aquele que pensa que estas palavras de Jesus são para nos entristecer. Tanto é verdade que Ele não demora em dizer aos discípulos, na conclusão do Evangelho, sobre a retribuição final: todo sacrifício feito com amor não ficará sem recompensa.
Aprendamos hoje: só na cruz de Cristo há salvação!
Maria, consoladora dos aflitos, rogai por nós!
(Pe. Anderson Santana Cunha)
TEXTOS PARA A MEDITAÇÃO
Concílio Vaticano II
O supremo e eterno sacerdote Cristo Jesus, querendo também por meio dos leigos continuar o Seu testemunho e serviço, vivifica-o pelo Seu Espírito e sem cessar os incita a toda a obra boa e perfeita. (…) Pois todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr. 1 Ped. 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo. (Lumen Gentium, n. 34)
Catecismo da Igreja Católica
O caminho desta perfeição passa pela cruz. Não há santidade sem renúncia e combate espiritual (Cf. 2 Tm 4). O progresso espiritual implica a ascese e a mortificação, que conduzem gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças. (CIC, n. 2015).
São João Paulo II
«Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (Lc 9,23). Essas palavras expressam o radicalismo de uma opção que não permite vacilações nem retrocessos. É uma exigência dura, que impressionou até os discípulos e que, ao longo dos séculos, tem impedido muitos homens e mulheres de seguirem a Cristo. Mas precisamente esse radicalismo também produziu admiráveis frutos de santidade e martírio, que com o tempo fortalecem o caminho da Igreja. Ainda hoje estas palavras são consideradas escândalo e loucura (cf. 1 Cor 1, 22-25). E, no entanto, devem ser enfrentados, pois o caminho traçado por Deus para seu Filho é o mesmo que o discípulo deve percorrer, decidido a segui-lo. Não existem dois caminhos, mas apenas um: aquele que o Mestre percorreu. O discípulo não pode inventar outro. (Mensagem para a XVI Jornada Mundial da Juventude, 14 de fevereiro de 2001).
Papa Bento XVI
Tomar a cruz significa comprometer-se para derrotar o pecado que impede o caminho rumo a Deus, aceitar diariamente a vontade do Senhor, aumentar a fé sobretudo diante dos problemas, das dificuldades e dos sofrimentos. A santa carmelita Edith Stein deu-nos este testemunho num período de perseguição. Assim escrevia do Carmelo de Colônia, em 1938: “Hoje compreendo… o que quer dizer ser esposa do Senhor, no sinal da cruz, embora nunca se possa compreendê-lo completamente, dado que é um mistério… Quanto mais se obscurece ao nosso redor, tanto mais temos que abrir o coração à luz que vem do alto”. (La scelta di Dio. Lettere (1917-1942), Roma 1973, págs. 132-133)”. (Ângelus, 20 de junho de 2010).