Apenas S. Mateus nos conservou esta parábola. Talvez porque a sua história de vida esteja profundamente ligada ao que Nosso Senhor quis nos ensinar nela.
Jesus não quer nos dar uma aula de direito trabalhista. Quer nos fala de assuntos importantes de nossa fé. Falemos, pois, hoje sobre: (1) a gratuidade no chamado, (3) a gratuidade no prêmio, mas é preciso nesse meio tempo falar sobre (2) a importância do trabalho tanto material como espiritual. Por fim, aproveitemos desta ocasião para nos lembrar do perigo que é a inveja.
1. O chamado
Jesus nos contou esta parábola para nos ensinar que os pagãos – os que não são judeus – e que estavam entrando no povo de Deus por último, através da Igreja, não eram inferiores ao povo de Israel, que há tanto tempo já estavam na vinha do Senhor.
Como disse S. Paulo aos Efésios: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho”. (Ef 3, 6).
Isso para alguns judeus parecia um absurdo. Como também é para alguns de nós que, após uma vida devassa e totalmente longe do Senhor, alguém possa converter-se e ser salvo. É justamente por isso que o Deus nos falou hoje pelo Profeta Isaías: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos e vossos caminhos não são como os meus caminhos” (Is 55, 8).
Mas podemos incluir outras explicações para esse chamado em diversas horas do dia. Segundo alguns Padres da Igreja o patrão que sai a procura de empregados é a imagem de Deus que desde o início da humanidade vem ao encontro dos homens. Ele nos chamou desde Adão até Noé, desde Noé até Abraão, desde Moisés até Cristo e de Cristo até o fim do mundo – representadas nas horas que o patrão vai à praça.
Essas várias horas do dia simbolizavam, ainda, as idades da vida humana: a infância, a adolescência, a juventude, a maturidade e a velhice. (Cf. S. Gregório, Hom. 19, Catena Áurea). Ou seja, o Senhor chama a todos e chama sempre! “Eis que estou a porta e bato” (Ap 3, 20).
A história dos santos também mostram essa diferença no momento de chamado. Há aqueles chamados logo no início de sua vida, como o coroinha São Tarcísio ou o adolescente São Luiz Gonzaga. Outros na juventude como Santo Antônio e São Bento. Outros já na maturidade como São Paulo, Santo Agostinho ou mesmo S. Inácio de Loyola. Por fim, temos também aqueles que foram chamados na última hora como Dimas, o ladrão, na hora da morte.
2. O trabalho
Embora chamados em momentos diferentes, todos são chamados a trabalhar na mesma vinha do Senhor: a Igreja. “A todos os fiéis incumbe, portanto, o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra” (Apostolicam Actuositatem, n. 3).
E esse trabalho na vinha tem dois significados: é a missão de evangelizar e anunciar o Evangelho aos homens e mulheres, mas tem também um outro significado: é o trabalho que devemos fazer para o crescimento e progresso de nossa própria vida espiritual. É o trabalho diário do cristão de arrancar os vícios e adubar as virtudes em seu coração.
O Evangelho de hoje nos permite também falar sobre a importância do trabalho e a chaga do desemprego. Como é importante, no dia de hoje, recordar-se que o trabalho não só dignifica o homem e lhe permite alimentar e sustentar honestamente a sua família, como é também um caminho especial de santificação.
Quantos conselhos poderiam ser dados nesse sentido! Como por exemplo: aprender a cumprir com amor e dedicação os deveres próprios de cada estado de vida (solteiro, casado, celibatário, pai, mãe, filho…); aprender a santificar o trabalho ordinário do serviço de casa; aprender a descansar para recuperar as forças; agradecer a Deus pelo trabalho que se tem.
3. O prêmio
Por fim, falemos sobre a segunda parte do evangelho, o momento do pagamento. Se por um lado encontramos a justiça do dono da vinha com o valor pago aos que trabalharam desde cedo e receberam o combinado, por outro encontramos a graça, a gratuidade, do dono da vinha em relação aos que chegaram por último. Justiça e graça são duas importantes características de Deus.
Aqui está o coração dessa parábola, do ensinamento de Nosso Senhor: a salvação é obra totalmente livre e absolutamente gratuita de Deus. A resposta que dá ao patrão aos queixosos é como se lhes dissesse: “a vocês estou pagando, a estes últimos estou dando, de graça!”.
Mas observem: só recebem o pagamento aqueles que foram para a vinha. Essa é a única condição, trabalhar na vinha do Senhor!
Por isso S. Paulo nos diz, na segunda leitura, que para ele pouco importa viver ou morrer, que o importante para ele é estar unido a Cristo, estar na vinha do Senhor. Por isso o alerta que nos fez o profeta: “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto” (Is 55, 6).
Observação: cuidado com a inveja
Aproveitemos essa parábola para falar sobre um vício que nos fazer muito mal: a inveja. Se temos por um lado a generosidade do patrão, do outro temos a murmuração dos primeiros que foram contratados.
E que coisa! Os primeiros empregados não reclamam por falta de justiça, mas por inveja. Esse detalhe, que não nos é contado por um acaso, é um alerta para não cultivar esse vício em nossos corações. Assim são os invejosos, não querem ter o que os outros têm, mas se incomodam com que os outros tenham.
Que hoje nos alegremos por sermos chamados por Cristo. E que nosso coração esteja sempre aberto para acolher os novos irmãos que colaborarão conosco na vinha do Senhor!
Maria, mãe da divina graça, rogai por nós!
(Pe. Anderson Santana Cunha)
TEXTOS PARA A MEDITAÇÃO
A distinta glorificação dos santos
“Dá a todos um denário, recompensa de todos, porque a todos será igualmente dada a mesma vida eterna. Terá na vida eterna, na casa do Pai, muitas moradas e destacará nelas, de um modo diferente, o brilho dos méritos de cada um: o denário, que é o mesmo para todos, significa, que todos viverão o mesmo tempo no céu; e a diferença de moradas, indica a glória distinta dos santos.” (S. Agostinho, De sancto Virg. cap 26 in Catena Áurea).
A ordem de pagamento e a misericórdia
“Efetivamente, o Senhor, a fim de manifestar sua inefável misericórdia, da sua recompensa, primeiramente aos últimos e aos mais indignos, e depois aos primeiros: sua excessiva misericórdia não tem em conta a ordem.” (S. João Crisóstomo, sup. Math., Catena Aurea).
A Inveja
A inveja é um vício capital. Designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Se desejar ao próximo um mal grave, é pecado mortal: Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência» (Santo Agostinho, De disciplina christiana, 7, 7). «Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade» (São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 88). (Catecismo da Igreja Católica, n. 2539)
A inveja representa uma das formas da tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o batizado lutará contra ela, opondo-lhe a benevolência. Muitas vezes, a inveja nasce do orgulho; o batizado exercitar-se-á a viver na humildade: «Quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos do vosso irmão e, assim, será por vós que Deus é glorificado. Deus será louvado, dir-se-á, pelo fato de o seu servo ter sabido vencer a inveja, pondo a sua alegria nos méritos dos outros» (São João Crisóstomo, In epistulam as Romanos, homilia 7, 5). (Catecismo da Igreja Católica, n. 2540).