Os dons de Deus devem ser partilhados, sempre, e não monopolizados. É isso que aprendemos ao ouvir os textos bíblicos escolhidos pela Igreja para este domingo. Somos nós o povo sonhado por Moisés, pois, através do batismo, recebemos a unção profética pelo Santo Crisma com o qual fomos marcados.
Aproveitemos estes dois episódios, tanto o de Jesus quanto o de Moisés, para meditar sobre o modo de ver a ação de Deus nos outros. E, além disso, sobre o conselho de Jesus de “cortar o mal pela raiz” e a respeito do modo certo de lidar com os bens temporais, como ouvimos na epístola.
1. Alegrar-se pela ação de Deus
Diz o Salmo: “preservai o vosso servo do orgulho: que não domine sobre mim” (Sl 18, 14). O orgulho, bem sabemos, é a raiz de todos os pecados. Por isso, tanto na primeira leitura quanto no Evangelho a atitude, que é corrigida por Moisés e por Jesus, é fruto de uma visão equivocada da ação de Deus, baseada num ato de orgulho.
Sabemos muito bem, como nos ensina a fé católica, que os meios ordinários para a salvação são a fé em Jesus, o batismo e a pertença à Igreja Católica. E também sabemos, da mesma forma, que Deus pode alcançar as pessoas através de meios extraordinários, ou seja, que vão além daquele que conhecemos.
Mas atenção! Saber disso, de forma alguma, deve diminuir o ímpeto missionário da Igreja, muito menos relativizar a necessidade de pertencer à ela para ser salvo. O mundo precisa conhecer Nosso Senhor, se converter à Verdade e receber a graça da vida divina através dos sacramentos.
Parece oportuno também, tendo ouvido isso, lembrar que dentro da Igreja também há diversidades legítimas. Nos ronda sempre – leigos e clérigos – o perigo de absolutizar os nossos métodos, os nossos carismas, com soberba e cegueira, não enxergando a grandeza própria da multiplicidade dos dons divinos.
Todos os dons, como ouvimos na primeira leitura, embora diversos, devem ser usados pelo bem do povo de Deus e sua unidade, nunca para a divisão ou separação. E, sem deixar qualquer elemento do núcleo fundamental da fé, há uma legítima diferença, no modo de rezar, na espiritualidade, nos atos de fé, piedade e devoção, etc…
Isso tudo convida-nos a olhar as maravilhas que Deus mesmo opera fora de nossos ambientes. Estendamos esse olhar inclusive dentro da própria Igreja, em sua diversidade de carismas e espiritualidades. O grupo que reza de um modo diferente do meu não é um inimigo a ser silenciado! Trata-se de uma ocasião em que sou chamado a reconhecer a manifestação da multiforme graça divina.
2. Cortar o mal pela raiz
O que Jesus nos ensina, o nosso povo diz em outras palavras: deve-se cortar o mal pela raiz. Nós sabemos muito bem que quando deixamos as coisas erradas se tornarem um hábito, depois que já estamos acostumados, fica muito difícil de tirar.
O que Nosso Senhor quer nos indicar é que a única solução para a nossa libertação é o afastamento imediato das ocasiões próximas de pecados. Nós nem sempre prestamos atenção nisso, mas é importante. O mal não está só no ato do pecar em si, mas naquilo que o antecede e o rodeia.
É preciso evitar más companhias que possam me conduzir a fazer o mal, é necessário deixar de frequentar certos ambientes que possam me incentivar à pratica do pecado. Quanta coisa poderíamos evitar se antes tivéssemos evitado a ocasião, o lugar, as companhias…
Cabe-nos não só perguntar que coisas erradas devo deixar de fazer, mas também fazer uma outra pergunta: que circunstâncias devo arrancar da minha vida?
Além disso, acompanhado à orientação para cortar o mal pela raiz, Jesus acrescenta a realidade do castigo eterno. É muito importante ter sempre diante dos olhos a realidade da eternidade, da vida eterna, bem como do futuro castigo ou recompensa. Isso nos ajuda a tomar uma firme decisão de abandonar o pecado.
3. Usar os bens que passam, para alcançar os que não passam
São Tiago, no trecho da carta que ouvimos, alerta para o risco de colocar a nossa segurança nas riquezas. E como isso acontece com facilidade! É claro que os bens materiais ou mesmo o dinheiro não causam um mal em si mesmos, mas nos expõem a um perigo muito grande: a ilusão das riquezas cegam!
Além disso, o apóstolo repreende os que acumulam bens de origens ilícitas. Quantas injustiças se cometem para ter dinheiro! Desde os pequenos roubos, seja em casa ou no trabalho, como nos salários injustos e até mesmo a usurpação dos bens alheios ou públicos.
Eis os conselhos que ouvimos do apóstolo: tomar cuidado com a forma com que conseguimos o dinheiro, de dar o justo salário quando empregamos alguém ou contratamos um trabalho e, por fim, ter cuidado com a falsa segurança que ele nos dá, pois ele pode usurpar o lugar que em nossas vidas é de Deus.
Maria, mãe da Igreja, rogai por nós!
(Pe. Anderson Santana Cunha)