Um dos convites para a oração do Pai Nosso, no início do rito da comunhão, nos diz: “formados por seu divino ensinamento”. Hoje, no dia do Senhor, somos formados por suas divinas palavras. Foi o que ouvimos no salmo: “Mostra-me os teus caminhos, Senhor; ensina-me a Tua estrada”. Sim, o Senhor nos ensina!
E hoje o tema de seu ensinamento é a responsabilidade de cada um na salvação. É claro que, como todos sabemos, a salvação é uma obra gratuita de Deus, mas há um detalhe que hoje aprendemos: depende de nossa adesão. É preciso dizer “sim” e fazer a nossa parte. “Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti”, disse S. Agostinho.
Antes, para entender essa parábola, devemos lembrar que Jesus tinha questionado as autoridades judaicas a respeito do batismo de João. Eles, que não acolheram a mensagem do Batista e com medo do povo que nele acreditava, dizem não saber a origem do seu batismo.
Por isso essas palavras de Nosso Senhor no Evangelho de hoje. É como se Jesus dissesse: “Eu perguntei para vocês de onde vinha o batismo de João, se era do céu ou dos homens, e vocês disseram que não sabiam. Como vocês não sabem? Até os publicanos e as prostitutas souberam de onde vinha e reconheceram que era um profeta! E mais, eles se converteram com a sua pregação!”
E a situação agora é pior. Porque aqueles que haviam dito que diriam “sim” quando viesse o Messias, estão diante Dele próprio agora e dizem “não”. Vêem os milagres, escutam as profecias, percebem sua origem divina, mas não o aceita. Enquanto isso os pecadores se convertem e o seguem.
E prestemos bem a atenção! Jesus não está dizendo que quem vive uma vida de pecados e vícios entrará no Reino dos Céus. Ele disse que as prostitutas e os publicanos, que escutaram João e que agora estavam escutando Jesus, se converteram, e entrarão no reino dos Céus! E vão primeiro, porque mudaram de vida.
Eis pois, diante de nós, algumas recomendações de Nosso Senhor: (1) Somos livres para dizer “sim” ou “não”, (2) Se dissermos “sim”, que seja para valer, e lembra-nos que (3) devemos estar sempre atentos: não desesperar de nossa conversão nem confiar demais em nós mesmos.
1. Liberdade em dizer “sim” ou “não”
Diante de um povo que pensava que estava pagando pelos pecados de seus pais, o profeta Ezequiel nos ensina: cada um tem a responsabilidade pessoal sobre a sua salvação. Além disso, Deus está sempre pronto para acolher a mudança de vida daquele que estava no mau caminho. É o mesmo ensinamento da parábola.
Deus quer homens livres e que livremente façam a sua escolha por Ele. Poderíamos pensar: seria mais conveniente a Deus tirar essa liberdade e “obrigar” a todos os homens a serem seus servos. Mas isso faria perder a beleza do amor: ser amado por escravos não é a mesma coisa que ser amado por pessoas livres!
Jesus quer nos ensinar que não basta ser “filho de Abraão”. Que a salvação não vem por herança genética. Mas é um caminho que se faz a partir de uma escolha pessoal diante de Deus. Depende de uma resposta livre que o Senhor espera de cada um.
2. Se disser “sim” que seja pra valer!
Aqui está um outro aspecto que esse Evangelho nos ensina. A resposta do homem a Deus deve ser concreta. O importante não é só dizer “sim”, mas viver de acordo com “sim” que foi dado. Não contam as palavras, mas as obras.
Essa parábola foi dita primeiro para aqueles judeus, mas hoje também é contada a nós. E a nós que já dissemos “sim” uma vez com o nosso batismo e depois com a crisma. Por isso devemos tomar cuidado com a hipocrisia, ou seja, dizer “sim”, mas não cumprir o que prometemos.
Podemos ver aqui também a imagem do mundo, que acha que se basta a si mesmo e que não quer dizer “sim” a Deus e à sua divina revelação. É imagem daqueles que não se sentem necessitados de conversão, e atenção, isso tem tanto dentro como fora da Igreja! O orgulho é sempre um obstáculo para a conversão. Quem não se admite como pecador não vê a necessidade de um redentor.
3. Estar sempre atento
Numa homilia sobre este evangelho São João Crisóstomo nos dá um importante conselho. Lembra-nos as palavras de São Paulo: “Quem está em pé, tome cuidado para não cair”. (1Cor 10,12). E continua sua reflexão: aos que estão em pecado, não se desesperem, convertam-se e mudem de vida; aos que estão crescendo nas virtudes, não se descuidem nem confiem demais em si mesmos, sejam vigilantes! (Cf. Homilia 67, Obras, BAC, 1956, p. 385).
É importante dizer também que não está certo pensar que Nosso Senhor esteja elogiando a prostituição ou a avareza. Ele elogia a mudança de vida, a conversão. Todos sabemos que a prostituição é um grave pecado e um sofrimento para quem a vive, como também que a avareza é um caminho de infelicidade e condenação para o avarento.
O que Nosso Senhor nos ensina é que se até mesmo esses, que estão no limite de uma vida distante de Deus, converteram-se ouvindo João, por que é que nós, que ouvimos não a voz de João, mas a própria voz de Deus Encarnado – Nosso Senhor Jesus Cristo – não nos convertemos?
Por fim, irmãos, São Paulo, na epístola, nos dá orientações para que nosso “sim” seja verdadeiro. Eis alguns deles: eliminar o espírito de rivalidade e vanglória de nosso meio, cultivar a humildade nas relações familiares, sociais e de trabalho, e, sempre buscar o bem dos outros.
Que neste dia, iluminados por esses preciosos ensinamentos, digamos o nosso “sim” com alegria ao Senhor da Vinha e que esse mesmo “sim” se transforme em conversão e atos contínuos de amor que se renove todos os dias.
Maria, Virgem fiel, rogai por nós!
(Pe. Anderson Santana Cunha)
TEXTOS PARA A MEDITAÇÃO
Homilia de São Jerônimo
São os dois filhos descritos na parábola de Lucas (Cf. Lc 15,11-32), um sóbrio e outro cínico, dos quais também fala o profeta Zacarias (11, 7). Primeiro se diz ao povo pagão pelo conhecimento da lei natural: “vê e trabalha na minha vinha”, quer dizer, não faça aos outros o que não quereis que te façam a ti. Ele respondeu com soberba: “não quero”. Porém, depois da vinda do Salvador, fez penitência, trabalhou na vinha de Deus e reparou com seu esforço a obstinação de suas palavras. O segundo filho é o povo judeu, que respondeu a Moisés: “faremos tudo o que nos disse o Senhor” (Ex 24, 3), porém não foi à vinha, porque depois de ter morto o filho do pai de família se considerou herdeiro.
Outros não creem que a parábola se refira aos pagãos e aos judeus, senão simplesmente aos pecadores e aos justos. O mesmo Senhor explica a continuação de suas palavras: “Os asseguro que os publicanos e as prostitutas os precederão no Reino de Deus”. Aqueles que por sua má conduta se havia negado servir ao Senhor, depois receberam de João o batismo de penitência; enquanto que os fariseus, que faziam profissão de justiça e se gabavam de cumprir a lei de Deus, depreciando o batismo de João, não cumpriram os preceitos de Deus. (Año litúrgico Patrístico, vol. 06).