Não fecheis o vosso coração, diz o salmo, mas ouvi a voz do Senhor! Tempo de Quaresma é um tempo privilegiado para escutar a voz de Deus, que fala sempre conosco e de modo particular fala através das Escrituras.
Neste domingo, irmãos, entramos no coração da Quaresma. Esse e os próximos dois domingos formam um itinerário de catequese batismal, que a Igreja já nos primeiros séculos usava para a preparação dos catecúmenos, ou seja, aqueles que se preparavam para receber o batismo na Vigília Pascal.
É por isso que os três evangelhos desses domingos, sempre segundo São João, nos ajudam a compreender o significado do nosso batizado: é Cristo que promete a água viva à samaritana, dá a vista ao cego de nascença e, por fim, ressuscita seu amigo Lázaro. O sentido batismal é evidente: pela água, que é símbolo do Espírito Santo, o fiel recebe a luz e nasce para uma vida nova que não tem fim.
Quanta coisa bonita se poderia meditar sobre os textos bíblicos que ouvimos, porém escolhi dois pontos que são muito úteis para o nosso itinerário de retiro quaresmal:
1. Jesus continua a dizer: “tenho sede!”
Santo Agostinho disse: “Aquele que pedia de beber, tinha sede da fé dessa mulher” (1). Jesus também hoje tem sede de nós, tem sede da nossa fé, tem sede do nosso amor, deseja ser acolhido como nosso salvador. É o mesmo grito da cruz: “tenho sede” (Jo 19,28). Deus é todo poderoso, é verdade, mas Ele não viola a nossa liberdade, respeita e chama o nosso coração, com paciência Ele aguarda nossa resposta.
Veja que interessante, Jesus pega uma experiência que todos nos temos – a experiência da sede – para nos falar do desejo (da sede) que o nosso coração tem de Deus, da nossa vontade de salvação, da sede de eternidade, da sede do Céu!
E por que Jesus tem sede de nós? O prefácio da Oração Eucarístia responde: Jesus quis estar “sedento” da salvação da samaritana, para acender nela o fogo do amor divino. “A sede de Cristo, disse o Papa Bento, é uma porta de acesso ao mistério de Deus, que teve sede para saciar a nossa, como se fez pobre para nos enriquecer” (2).
A mulher, através da sua história de fracasso no matrimônio, é também símbolo da nossa tentativa de saciar a nossa sede no poço sem água ou nas poças enlameadas do nosso caminho.
2. A água: símbolo do nosso Batismo, símbolo do Espírito Santo
Não é sem motivo que a água aparece nas leituras de hoje. É para nos lembrar do nosso batizado. Por isso convém, nesse tempo quaresmal, recordar o profundo significado de ter sido um dia banhado em Cristo.
Não fomos batizados porque é um simples costume, ou para evitar doenças, ou para ganhar presentes. Fomos levados à pia do batismo para morrer com Cristo e com Ele nascer para uma vida nova, para ser filho de Deus, para ser herdeiro do Céu (essa água é a fonte que brota para a vida eterna!), para ser membro da família de Cristo que é a Igreja.
Também a nós Jesus diz: “ah se conhecesses o dom de Deus!” Ah se soubesses a graça que você recebeu no dia em que foi batizado! É por isso que na noite da Vigília Pascal nós vamos renovar as promessas do nosso batismo, para lembrar que fomos batizados, para lembrar da vida divina que existe dentro de nós!
Aquele que renasce das água do Batismo começa a viver uma relação diferente com Deus, passa a ser um filho, e assim pode adorá-lo “em espírito e verdade” (Jo 4, 23.24). No nosso batismo o amor de Deus, diz São Paulo, é derramado em nossos corações.
Os Padres da Igreja interpretavam o episódio da vida do povo hebreu que ouvimos na primeira leitura como prefiguração de uma cena no calvário. Aquela rocha da qual brota a água é Cristo, a ferida na pedra é aquela que o soldado fez no peito de Jesus. É da rocha que é Cristo que nascem os sacramentos, é do peito de Jesus que sai a água do nosso Batismo e o sangue da Eucaristia que daqui a pouco comungaremos.
Maria, mãe dos cristãos, rogai por nós!
(Pe. Anderson Santana Cunha)
(1) In Ioh. Ev., 15, 11. (2) Bento XVI, Ângelus, 24 de fevereiro de 2008.
Textos para meditação
01 | A esperança do cristão não decepciona. A expectativas no mundo, nas pessoas, nos bens, essa pode decepcionar, mas a esperança que nos oferece Cristo, essa não, jamais nos decepciona.
02 | Convém, após ouvir a primeira leitura, adicionar ao nosso exame de consciência a seguinte pergunta: eu sou como aquele povo que vive a murmurar e se esquece das grandes obras que Deus já realizou em minha vida?