Este itinerário penitencial que é a Quaresma tem como objetivo nos preparar para a Páscoa do Senhor. Não só para a Páscoa deste ano, mas também a nossa derradeira e definitiva Páscoa, através da qual entraremos na eternidade.
Para solidificar nossa escolha por Cristo somos chamados a renovar, todos os anos, na Vigília Pascal, as promessas do nosso Batismo. Para isso, nos prepara com um grande exercício espiritual (um verdadeiro retiro espiritual), que é este tempo litúrgico, no qual participam todos os membros da Igreja.
Dos Textos Sagrados que foram proclamados nesta Santa Missa podemos recolher três expressões para meditar, a partir delas, a mensagem central deste domingo, o primeiro do tempo quaresmal:
1. As tentações
O brevíssimo aceno de S. Marcos à tentação de Jesus mostra-nos o seu conteúdo essencial: “O espírito levou Jesus para o deserto” (Mc 1, 12) e “ali foi tentado por Satanás” (Mc 1, 13).
O demônio existe. Não é uma figura mitológica, nem mesmo um símbolo genérico das maldades do mundo. Sua ação ordinária, nos ensina a Igreja, não é a possessão diabólica (essa seria extraordinária), mas são as tentações, que é a sedução para desconfiar de Deus e praticar o mal (1).
A tentação sempre esconde uma mentira. Foi assim desde a primeira tentação (a de nossos pais no paraíso), e o é até os nossos dias. A tentação sempre se apresentada mascarada com um rótulo de liberdade. Mas, na verdade, esconde uma severa escravidão que priva da alegria, diminui o amor e tira a paz.
Mas não desanimemos, irmãos, pois como disse o evangelho, durante as provações Jesus era servido pelos anjos. Foi assim no deserto, foi assim no horto das Oliveiras, foi assim durante toda a sua vida. O mesmo também acontece conosco. Quanto carinho e cuidado da parte do Senhor!
2. O deserto
O fato de Jesus ser tentado no deserto nos faz lembrar a história de nossos pais na fé, o povo de Israel. Eles caminharam no deserto e foram colocados à prova. Aquela caminhada é como um resumo da nossa vida. E assim como a Jesus, o Espírito Santo também nos conduz ao deserto, para lá combater e vencer o mal. O deserto é a imagem do nosso interior.
De certa forma os exercícios da quaresma nos ajudam a criar o clima de deserto: o jejum que praticamos, a penitência dos alimentos que deixamos de comer, os hábitos que deixamos de praticar, a intensificação na vida de oração, a diminuição do tempo no celular e diante da TV… Esses são meios através dos quais nós também fazemos uma experiência espiritual de deserto. Nesse sentido a quaresma é como uma “desintoxicação interior“.
Para esta luta interior no deserto espiritual, nos lembrou S. Pedro, o batizado precisa obter uma “boa consciência“. Isso quer dizer: aprender a crescer nas virtudes e a rejeitar os vícios. A consciência boa é aquela que é capaz de distinguir a voz de Deus da voz do maligno, que sabe perceber as seduções do mal e recusá-las.
3. A arca
O dilúvio, cujos relatos finais ouvimos na primeira leitura, é o ato divino da reprovação da maldade humana e, ao mesmo tempo, é sinal da renovação e purificação da humanidade. Como nos explicou S. Pedro, o dilúvio é uma prefiguração, ou seja, um evento que antecipa uma realidade. Neste caso a arca anuncia o nosso batismo.
Após o dilúvio Deus estabelece uma aliança, prefiguração da Nova e Eterna Aliança. O sinal de esta última e eterna não é um arco nas nuvens, mas uma Cruz erguida em direção ao céu.
Que estes santos exercícios quaresmais, caríssimos irmãos, nos ajudem a renovar interiormente a nossa vida para a renovação pública de nosso batizado, que acontecerá na Vigília Pascal. Que também aumente em nós o desejo de ser santo, de tal forma que, ao concluir este tempo litúrgico, possamos sentir o avanço em nossa vida espiritual.
Que a Virgem, Rainha dos anjos, também venha sempre em nosso socorro!
(1) Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I seção, questão 114, artigo 2.
TEXTO PARA MEDITAÇÃO
“O que mais interessa ao demônio é, sem dúvida, fazer o homem cair no pecado, e distanciá-lo de Deus; quer que, ao invés de ir ao Paraíso, desça com ele ao Inferno. É isso que o impulsiona, em primeiro lugar. As outras coisas, para ele, são secundárias; porém, como dissemos antes, tenta, levando em conta os pontos fracos de cada um, atacando precisamente ali, nos pontos fracos. Começa com as coisas pequenas, faz o mal parecer um bem, como um ganho, como um modo de adquiri conhecimentos que antes não tínhamos (…) acontece frequentemente. As pessoas se sentem convidadas a fazer o mal como se fosse um bem; talvez se trate de uma ação muito comum a que, pouco a pouco, se cede e que depois se torna um vício, um hábito. Então se buscam mil justificativas, mas não se pensa mais no essencial, isto é, que aquela coisa é contrária à lei do Senhor. Perde-se completamente o senso de Deus e não se crê mais n´Ele”. (AMORTH, Gabriele. Não te deixes vencer pelo mal: as palavras de um grande exorcista. Ed. Ecclesiae: Campinas, 2018, pp. 54-55)