Que lindo esse detalhe a respeito da humanidade de Jesus que o evangelista nos contou hoje: após um dia longo, de muitas atividades, o Senhor está cansado e dorme. Ele é Deus, sim, verdadeiro Deus, e é também verdadeiro homem.
Este importante acontecimento, o da tempestade acalmada, é fundamental para o nosso crescimento na fé. Consideremos, nesta meditação, três aspectos que nos ajudam muito: 1) a travessia do mar, como imagem da nossa vida; 2) a súplica dos apóstolos, que significam as orações; e, por fim, 3) o convite à confiança, que brota da certeza de que Ele está conosco.
1. A travessia: a vida
A travessia do mar da Galileia simboliza a trajetória da nossa vida. O mar agitado pode significar tantas coisas a partir daquilo que estamos vivendo: as dificuldades pessoais, as calúnias, os ambientes conflituosos de trabalho, a perda do emprego, o fim de um relacionamento, um filho que escolhe o mal caminho, o diagnóstico de uma doença, a notícia da morte de alguém que amamos…
O mar agitado é também identificado, lembrou-nos o Papa Bento XVI, com símbolo do poder diabólico (1).
2. Os gritos: a oração
Os apóstolos – pescadores experientes – conheciam muito bem o mar e sabiam como lidar com as tempestades. Todavia, hoje, se veem surpreendidos por uma situação que nunca viveram antes e por isso entram em desespero. Parece não ter mais saída, a não ser a morte.
E quantas vezes o “mal tempo” também se formou em nossa história. Quantas vezes os ventos ficaram fortes e pareciam que tudo iria acabar mal. Parecia que Deus estava dormindo e que não aguentaríamos mais.
O grito aflito dos apóstolos foi interpretado por muitos Padres da Igreja como símbolo da oração, como o clamor incessante dos cristãos em meio as tribulações e nas angústias. De fato, o grito dos apóstolos pelo Senhor representa a nossa oração e a oração de tantas pessoas que no desespero das tempestades também clamam: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4,38).
Embora pareça contraditório, mas essa frase dita pelos apóstolos pode também representar a inquietação, o medo, o desespero que nascem do coração que deixa de confiar, do cristão que deixar de rezar. Dos momentos em que, como disse Jesus no final do Evangelho, “fraquejamos na fé”.
Por isso, lembremo-nos: “Cristão, Cristo dorme no teu barco – recorda-nos Santo Agostinho – acorde-o, que Ele repreenderá a tormenta e haverá calmaria” (2).
O Senhor se importa conosco, não é insensível às nossas dores, aos momentos de tribulação que já passamos, que estamos passando ou que um dia poderemos passar.
3. Ele está conosco: confiança
O que fazer quando tudo parece estar perdido e o barco está como que afundando? Lembrar-se disso: o Senhor está comigo na barca, Ele não me deixou sozinho.
“Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem“. (Sl 22, 4).
O convite que nos faz o Senhor neste domingo é este: o de confiar Nele. Reconhecer que Ele está conosco. O Senhor nunca nos deixou ou deixará sozinhos. Não tenhamos dúvida: Ele está ao nosso lado, e mesmo que a tempestade não pareça ter fim, confiança Nele, Ele é nossa única segurança.
Caminhemos, irmãos, sem pessimismo. E quando surgirem as dificuldades lembremos dessa divina presença no barco da nossa vida. Não há tempestade que não lhe obedeça.
O mesmo Pedro que viveu aquela noite tão assustadora e ao mesmo tempo a noite de um grande passo na fé escreveu na epístola: “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque Ele tem cuidado de vocês” (1Pd 5, 7).
Essa tranquilidade é também a promessa daquela paz que será a vida plena junto Dele na eternidade. Como disse o livro de Jó, o Senhor dará uma ordem eterna ao todo tipo de mal: “aqui cessa a arrogância de tuas ondas” (Jo 38, 11).
Concluo com uma belíssima oração composta por um grande admirador de Nossa Senhora: “Se subirem os ventos das tentações – dizia São Bernardo – olhe a estrela, chame Maria (…). Você não se perderá se a seguir, não se desesperará se implorar a ela, não se perderá se pensar nela. Se ela o segurar pela mão, você não cairá; se ela o protege, você não terá nada a temer; você não se cansará se for o seu guia; você ficará feliz em chegar ao porto se ela te amparar” (3).
Maria, mãe dos aflitos, rogai por nós!
(1) cf. Homilia, 21 de junho de 2009. (2) Santo Agostinho, Sermão 361, 7. (3) São Bernardo, Homilias sobre a Virgem Mãe, 2.