É de uma carta de São João Paulo II que tirei esse título. Nela o papa disse que a fé e a razão são como que duas asas que nos elevam para contemplar a verdade. E é sobre essas duas asas que falaremos aqui. Ao concluir esta leitura o nosso leitor estará convencido de que a razão e a fé não são opostas, mas sim complementares. Assim como são diferentes os instrumentos musicais quando se unem num ato sinfônico e em harmonia, ouve-se uma bela melodia.
O primeiro argumento a favor desta tese é que foi Deus quem criou tanto uma quanto outra. Sendo assim ambas não se contradizem. Já verificou-se momentos na história em que isso parecia muito claro, mas nem sempre foi assim. Por isso a teologia deixa claro aos seus estudantes, logo de início, que a sua missão é fazer compreender, com o uso da razão, os conteúdos da fé. Para uns teólogos crer vem antes de entender, para outros a situação é inversa, mas de qualquer forma uma não exclui a outra.
Para melhor explicar esse assunto, pode-se citar, por exemplo, o problema do fideísmo e do racionalismo. Essas situações representam dois modos totalmente distintos e nocivos de se relacionar com a fé e razão. Se por um lado o fideísmo é defendido por aqueles que divorciam a unidade entre razão e fé, o racionalismo é sustentado por quem exclui totalmente a possibilidade de que algo possa ser conhecido para além de seus esquemas racionais.
Esses dois grupos erram em suas perspectivas, pois a sabedoria se alcança com uma sadia relação entre essas duas fontes de conhecimento. E o caminho para isso é longo, e o primeiro passo necessário para os dois lados é a humildade. A humildade para reconhecer que a fé necessita da razão e que a razão possui limites inegáveis. Esse casamento é tão que feliz que, por exemplo, foi na harmonia entre fé e razão que surgiram as universidades – no período histórico tão mal compreendido que é a idade média.
A própria história confirma isso. No início do cristianismo muitos filósofos, como Justino, mártir, ao converter-se ao catolicismo fez uso de seus conhecimentos filosóficos para defender a fé católica diante dos perseguidores. Santo Tomás de Aquino harmonizou melhor do que ninguém as obras de Aristóteles com os ensinamentos de Nosso Senhor. E aqui poderíamos citar uma lista interminável de cientistas que também eram homens de fé. Apenas para aceno recordo o pai da hipótese do Big Bang, e pasmem, um padre! O sacerdote Georges Lemaître foi astrônomo, cosmólogo, matemático, físico e teólogo, e nunca abandonou a fé!
Não é possível voar com uma asa só. Quem renuncia uma dessas duas asas do conhecimento tende a viver como as galinhas, com vôos rasos. É claro que o conhecimento revelado possui alguns vantagens inegáveis – não duvidamos disso. Mas é preciso considerar também que Deus não falaria uma linguagem que não pudesse ser compreensível ao homem. Se o homem é um ser racional, tudo que Deus fala é compreensivo à sua razão. Assim é o conhecimento humano: tem origem com dois instrumentos musicais bem diferentes, mas que se forem regidos pela batuta da verdadeira sabedoria, se escuta uma linda melodia.
(Artigo publicado no Jornal Panema Notícias em 28 de agosto de 2020).