Ao longo de quatro semanas nos preparamos para esta noite, para acolher a boa notícia que a Igreja, ecoando a voz dos anjos, faz ressoar no mundo inteiro: “Hoje nasceu o Salvador!”
Sim, é nesta noite bendita que Deus se fez homem. Quantas maravilhas o Senhor reservou para esta santíssima solenidade!
A festa do Natal não é apenas um dia de lembrar-se de um fato acontecido no passado. Esta noite é mais do que um “aniversário”. É nesta noite Santa, que de uma maneira milagrosa, Nosso Senhor nasce (de novo) nos corações dos fiéis. Hoje, Deus mesmo renova as maravilhas que operou naquela noite, e nós podemos sentir: esta noite é diferente, esta noite é santa.
Isso acontece porque o “Hoje” dito pelos anjos é o “Hoje” de Deus, um “Hoje eterno”, que nunca fica velho, que nunca fica no passado. Um “hoje” que é sempre atual, que abarca todos os tempos, que nos envolve nesta noite como se fosse a única e mesma noite do Natal…
a) Noite da promessa
É nesta noite que se cumpre todas as antigas promessas. Aquelas que Deus havia feito ao povo eleito de enviá-los um salvador. Por isso que, com emoção, em todos os cantos da terra os cristãos cantam: “Hoje nasceu para nós o Salvador, que é Cristo o Senhor” (Lc 2, 11).
E Deus foi muito mais além de conceder-nos um simples libertador. Ele mesmo veio habitar no meio dos homens, como homem. Aquela distância que parecia infinita entre Deus e a humanidade nesta noite desaparece: Deus, o invisível, deixa-se ser visto numa criança, envolta em faixas, no colo de sua mãe.
Por isso, diante da pergunta: qual é a maior graça do Natal? Sem dúvida é aquela que foi dita por Santo Agostinho: “Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus” (Sermão 13). Ele desceu para que possamos subir. Ele se “humanizou” para que eu possa ser “divinizado”!
Por isso esta noite é feliz! Por isso nesta noite não há tristeza! Não há sofrimento ou dor, rancor ou ódio, que possa nos roubar o motivo de nossa felicidade! Não há lei humana que possa proibir esta Santíssima criança de nascer em nossos corações.
b) Noite da acolhida
Infelizmente nesta noite acontece o mesmo que ocorreu naquela noite fria em Belém: para muito não há lugar para Ele. Quantos nesta noite não querem recebê-lo, passarão o Natal buscando distrações. Quantos fecharão as portas a esta criança. Sim, é uma pena, mas o mundo continua “frio” para com Deus.
E observem que belo detalhe: Deus foi procurar companhias para a Sagrada Família, e foi buscá-los no campo, os pastores. Eles, que caminhavam nas trevas, viram uma luz. Foi buscar gente simples, como nós. Nós somos testemunhas do grande amor de Deus, que o mundo, infeliz, desconhece.
Esta é a noite de nossa conversão, como disse o apóstolo na epístola. Afinal de contas, como não se comover diante de todo este mistério? Nesta noite é como se Deus, através daquele bebê indefesso, nos dissesse: “agora já não podeis ter medo de mim, agora só podeis me amar.” (1)
c) Noite da Luz
As palavras do profeta Isaías nos enchem de alegria: passou a tristeza, eis que apareceu uma grande Luz. A imagem da Luz está presente em todas as leituras desta noite. E assim como em algumas horas o sol fará dissipar todas as trevas, Cristo, que é a luz muito mais forte que o sol, iluminará os cantos mais escuros de nosso coração e do mundo.
Não tenhamos medo! Não tenhamos vergonha! Ele veio por nós, para nos elevar de nossas misérias. “Nasceu para nós”, sublinha o profeta (Is 9, 5). Ele nos deu a Igreja, os sacramentos e a pregação para não nos perdemos. A pobreza do presépio nos ajuda a nos aproximar deste mistério. E nos ensina algo de muito especial: nesta noite aprendemos que a pior pobreza é o afastamento de Deus, daqueles que fogem Dele.
d) Eucaristia: Deus também estará aos nossos olhos, como em Belém!
Hoje, não só os nossos corações serão as manjedouras de Jesus, mas de modo vivo e real será este altar, o altar da Santa Missa, onde Nosso Senhor estará diante de nossos olhos. E depois, Ele será nosso alimento, para que comungando-o vivamos Nele, por Ele e para Ele.
E assim como naquela noite em que muitos pensavam que aquele era apenas mais um menino que nascia, muitos olharão para as espécies eucarísticas, que após a consagração se tornarão Corpo e Sangue de Cristo, como se fosse um simples pão e vinho… Que isso não aconteça conosco!
Belém, que significa casa do pão, é hoje aqui. E onde estiverem reunidos os cristãos, para celebrar o santo Natal também será Belém, também haverá festa, também haverá alegria, porque está conosco Aquele é o motivo da verdadeira e única alegria.
Concluo com as palavras de São Leão Magno, mais oportunas do que nunca: “Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade”.
Maria, mãe do Salvador, rogai por nós!
(1) Bento XVI, Homilia, 25 de dezembro de 2008.
TEXTOS PARA MEDITAÇÃO
Uma lenda de Natal
(Frei Raniero Cantalamessa, Homilia: Noche de silencio – Natividad del Señor, Ciclo C).
“Concluo com uma bela lenda natalícia que resume toda a mensagem que colhemos das duas canções natalinas: pobreza e silêncio. Entre os pastores que vieram na noite de Natal para adorar o Menino, havia um tão pobre que não tinha nada para oferecer e tinha muita vergonha. Chegados à gruta, todos competiram para oferecer seus presentes. Maria não sabia como proceder para recebê-los todos, quando segurava o Menino. Então, vendo o pastorzinho com as mãos livres, confiou-lhe, por um momento, Jesus. Estar de mãos vazias foi sua fortuna. É a mais bela sorte que poderia acontecer a nós também. Encontremo-nos neste Natal com um coração tão pobre, tão vazio e silencioso que Maria, ao nos ver, nos possa confiar o seu Filho”.
Toma consciência, ó Cristão, da tua dignidade
(Dos Sermões de São Leão Magno, Papa | Sermo I in Nativitate Domini)
“Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade.
Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida.
Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com seu Criador, de modo que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.
Eis por que, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: Glória a deus nas alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14). Eles vêem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?
Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.
Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que cabeça e de corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus.
Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de Cristo”.
A Luz que veio para todos
(Homilia do Papa João Paulo II, 24 de dezembro de 1980).
“Hoje já o sabem milhões de homens do mundo inteiro. A luz da noite de Belém já chegou a muitos corações; e, contudo, ainda permanece, ao mesmo tempo, a escuridão. Por vezes, esta até parece intensificar-se… (…)
Não importa que esta luz, de momento, seja participada apenas por alguns corações: não importa que dela participem somente a Virgem de Nazaré e o seu Esposo, a Virgem à qual não foi concedido dar ao mundo o próprio Filho sob o tecto de uma casa em Belém, «porque não havia lugar para eles na hospedaria» (Lc. 2, 7); e que com eles, participem desta alegria os pastores, iluminados por uma grande luz nos campos próximos da cidade.
Não importa que naquela primeira noite, a noite do nascimento humano de Deus, a alegria de um tão grande evento tenha chegado somente a estes poucos corações. Não importa.
Essa luz é destinada a todos os corações humanos. Ela é a alegria do gênero humano — uma alegria sobre-humana! Poderá haver, porventura, uma, alegria maior do que esta, poderá haver uma Nova melhor do que esta — que o homem foi assumido por Deus, para ser filho, neste Filho de Deus que se tornou homem?”